Quem não lembra do despejo de rejeitos tóxicos da refinaria da Norsk Hydro em Barcarena, no nordeste do Pará, em 2018, ano em que Helder Barbalho foi eleito governador do estado?
“À época, a força das chuvas fez com que comunidades de Barcarena, no entorno da mineradora, e vilas de Abaetetuba fossem inundadas por águas avermelhadas, contaminadas com bauxita.
A multinacional norueguesa Norsk Hydro virou alvo de uma ação coletiva protocolada na Holanda por cerca de 40 mil brasileiros afetados pela produção de alumínio em Barcarena e Abaetetuba, nordeste do estado do Pará.



A ação busca compensações às 11 mil famílias afetadas pelos empreendimentos instalados no estado, pelo que a ação chama de “disposição incorreta de rejeitos tóxicos no rio Murucupi, bem como por outros efeitos da presença das instalações da Norsk Hydro na região”, informou o portal de notícias G1.
Passados todos esses anos, nenhuma compensação foi feita e o povo paraense assiste o governador se ajoelhando aos pés dos governos de países europeus que sempre nos tiveram como colônias fornecedoras de matéria prima barata e que praticamente não paga impostos e deixa um rastro de destruição e miséria.
Com a urgência de se debater o futuro do Pará e da amazônia, entrevistei o conceituado Cientista Político Carlos Eduardo Siqueira, que publicou artigo onde analisou a relação entre o Executivo estadual paraense e a empresa mineradora Norsk Hydro e nos traz importantes observações sobre os temas em evidência, aprofundando o que as notícias que circulam nos meios de comunicação e formam a opinião pública não fazem.
Diógenes Brandão: A Amazônia devastada está no centro do debate internacional, após a omissão criminosa do governo Bolsonaro e surgem diversas reuniões e protocolos de intenções debatidos em Brasília, no eixo sul/sudeste do Brasil e no exterior, menos aqui, onde vive a população impactada e isolada em meio aos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH).
Carlos Siqueira: É preciso observar que no centro do debate está as relações de produção. A região amazônica é considerada periferia do capital e do Brasil. Assim caracterizada por somente exportar matéria prima.
Dentro desse contexto, os governadores tem se organizado de maneira institucionalizada desde 2008 (Fórum de Governadores da Amazônia e Consórcio de Desenvolvimento Sustentável), com o objetivo único de capturar renda e oportunidades de negócios, até porque o tema é bastante palatável.
Ninguém é contra a preservação ambiental e a aprovação de leis por parte dos governos amazônicos obedece a lógica das trocas políticas entre executivo e legislativo. Dois pontos devem ser observados enquanto o tema ambiental estava na agenda de governo durante os últimos 10 anos e um pouco mais (2002-2016) os governos amazônicos estavam embarcados.
Com a queda do governo Dilma (2016), imediatamente abandonaram esta agenda e voltaram-se às demandas tradicionais: primeiro por infraestrutura e assistência.
Apesar de estarem à frente por esse período, destaco que o segundo ponto, foi pouco produtivo, porque imediatamente todo o arcabouço legal foi desconstruído e a região passou a apresentar números alarmantes de degradação ambiental e socioeconômica.
Se queres entender a Amazonia tenham o Estado do Pará como exemplo: Maior desmatador; maior emissor de gases de efeito estufa, e, consequentemente, com os piores indicadores socioeconômicos (IDH, PIB PERCAPTA, IDEB, VIOLÊNCIA NO CAMPO E URBANA, PIORES INFRAESTRUTURA NAS GRANDES CIDADES…ETC).
Ou seja, o resultado é pífio para a preservação ambiental, pois o objetivo tem sido voltado para capturar renda, o que vai formar o orçamento público dessas unidades subnacionais.
Daí a todo tipo de negociação, passando por renúncia fiscal para grandes empresas e a perda de ICMS com a lei Kandir, o que caracteriza a submissão dos governos dos estados amazônicos ao centro sul do Brasil, os quais, até agora, não é visto nenhum esforço destes governos para enfrentar tal situação. A retórica o instrumento norteador do esforço ambiental.
Diógenes Brandão: Como você vê a relação entre governantes amazônicos e a sociedade civil, em especial a comunidade acadêmica, nos debates internacionais sobre a Amazônia?
Carlos Siqueira: Do ponto de vista político existe sim movimentos socioambiental lutando pela preservação, mas pouco se reverbera junto aos tomadores de decisões (governos) mesmo quando os conselhos ambientais foram muito participativos, os estratos conservadores sempre levaram vantagem nesta agenda, quanto à comunidade acadêmica apesar de farta produção sobre o tema, ainda estão isolados nas suas ilhas. Temos intensões, mas pouca ação. Creio que os governos são muito pragmático se não provocados não há interação. Há muito estudos sobre meio ambiente produzidos, mas os lugares de diálogo entre governo x sociedade civil x universidades são poucos e não geram impactos. Os resultados estão a olhos nus. Muito discurso e pouca ação.
Diógenes Brandão: Como acha que deveria funcionar a governança em relação a aplicação dos recursos do Fundo Amazônia?
Carlos Siqueira: Primeiro que a origem e o funciomento do Fundo Amazônia fosse amplamente publicizado, não só no seu arranjo interno, suas instâncias, quem participa aonde participa e como as decisões são tomadas. Mas e ainda como o fundo capta esses recursos?
A resposta é importante, porque o cidadão deseja saber de que forma as políticas públicas ambientais são feitas e como são financiadas, há muita confusão sobre isso.
A Noruega e Alemanha são seus principais doadores, aliás, não é necessário reembolso, mas precisa cumprir algumas condicionantes do tipo manter o índice de desmatamento baixo seguindo uma linha histórica, senão cumprir o recurso é bloqueado.
É importante um destaque sobre esse ponto: O principal doador, a Noruega, é acionista majoritária da empresa Norsk Hydro, que tem unidades localizadas em Paragominas e Barcarena – assim como as outras empresas desse seguimento por toda Amazônia – recebem benefícios fiscais na ordem de 82,5 % de abatimento no imposto de renda de pessoa jurídica (75% sobre o IRPJ + 20% do imposto devido para investimento em máquina, equipamentos e projetos, isso é igual a 7,5%, o que soma 82,5%).
Isso pelo lado da União. Pelo governo do Pará, a gigante norueguesa recebeu mais 30 anos de isenção fiscal, o que corresponde a R$ 7,5 bilhões de reais, feito através de uma portaria durante o governo de Simão Jatene (PSDB).
Ou seja, essa doação à empresa que explora nossos recursos é questionável. Na verdade é uma devolução de parte do imposto que deveria pagar.
Enfim, e para além deste fato concreto é que existe uma complexidade no funcionamento e no processo de tomada de decisão que bloqueia efetivamente o uso desse recurso pelas organizações da sociedade civil que pleteiam acesso.
Por isso, urge a necessidade de esclarecimento acerca de sua real efetividade.
Se algum ator interessado é menos importante do que outro, temos um problema de governança, porque a agenda ambiental precisa para ser efetivada, que Estado, Sociedade Civil e o Mercado operem de maneira concertada.
Diógenes Brandão: Como você vê a contradição de governos que têm sua base de sustentação ambientalistas, grileiros e garimpeiros ilegais e as ações necessárias para a proteção da Amazônia para atingir a meta do governo Lula de DESMATAMENTO ZERO?
Carlos Siqueira: O X da questão está na relação com as grandes empresas transnacionais que já deixaram, estão deixando e deixarão um passivo ambiental que não fecha a conta. E esses governadores estão a mercê dessa poupança predatória, que circula no sistema internacional.
Quanto a grileiros, desmatores e quetais, eles se disfarçam de bons cidadãos, como todo político.
Muita retórica e pouca ação e que não irão resolver o problema do desmatamento e da emergência das mudanças climáticas. A periferia que se dane.
Para quem quiser aprofundar esse assunto, disponibilizou o artigo que escrevi para o Congresso da Associação Brasileira de Ciência Política: Governança do Clima e as grandes corporações na Amazônia. Baixe aqui.
Escute abaixo, um áudio do entrevistado com uma breve complementação da entrevista:

*Carlos Eduardo Siqueira é Especialista em República, Democracia e Movimentos Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Pará (UFPA), e Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Atua no estudo sobre Regimes Internacionais, Economia Política Internacional, Democracia, República e Movimentos sociais, Políticas Públicas sobre Meio Ambiente.