Por Cássio de Andrade*
Em 2012, em meio às comemorações dos 30 anos do jornal Diário do Pará, seu então editor-chefe, Gerson Nogueira, convidou-me a escrever um texto sobre alguma efeméride relacionado ao regime militar, em cujos estertores surgiu o referido jornal.
Decidi na ocasião, escrever sobre duas importantes e saudosas personagens da prosa e da poesia em Belém, que viveram experiências pessoais e políticas específicas, nesse contexto de resistências: o poeta Raimundo Alonso Rocha e o jornalista e livreiro Raimundo Jinkings.
A despeito de suas diferenças ideológicas, essas duas personagens traçaram o caminho da resistência e da mediação, frente ao regime discricionário no Pará, no interior do movimento bancário, em especial.
Eles serão os sujeitos de nossa coluna da semana.

O poeta e o livreiro trilharam, em experiências e tradições diversas, a história comum das letras, dos bancos e das baionetas, sob o signo de um passado de diferenças. Foram sujeitos de várias facetas de atuação social, e aqui, faço o devido recorte, em revisitar a trajetória dessas personagens no movimento sindical bancário, buscando-se para esse intento, relacioná-las ao cenário da operosa reestruturação do sistema financeiro executado pelo Estado Autoritário com seus devidos reflexos movimento bancário paraense.
A Reforma Bancária implantada no Brasil, entre 1964 e 1967, ocorreu na esteira das reestruturações e de reorganização do sistema financeiro, em ritmos próprios, incidindo sobre o processo de automação e informatização dos bancos. A referida reforma resultou de um longo processo de tentativa de regulamentação sobre o sistema financeiro no Brasil. Este procedimento fincou raízes ainda nos anos 40 do século passado, porém seu debate apresentava um conteúdo marcadamente político.
O debate político da Reforma Bancária era o epicentro dos confrontos de interesses entre o movimento sindical bancário, o Estado e os banqueiros.
Os bancários a defendiam como uma das reformas de base.
Os banqueiros, do ponto de vista tecnológico, propunham uma reforma ligada à modernização dos artefatos técnicos.
O Estado, como possibilidade de modernização do país, inserindo o capital financeiro na relação com o capital produtivo.
O golpe civil-militar de 1964, entretanto, encerrou o conteúdo político desse debate.
No âmbito de uma conjuntura econômica e política de modernização forçada, em especial, na Amazônia, o retraimento das lutas bancárias e da liberdade sindical se fez visível.
Elementos novos se apresentaram no estofo da mediação que as lideranças sindicais bancárias passaram a conduzir com o Capital e o Estado, nas atuações de base e negociais.
Durante e após a intervenção militar no movimento sindical bancário paraense, uma específica prática sindical foi assumida por suas lideranças hegemônicas, pelas diversas formas de articulações e confrontos com as políticas nacionais para o setor bancário, nos devidos limites permitidos aos percalços da mediação sindical.
Esta prática sindical refletia a síntese da luta social dos bancários, no contexto histórico peculiar à reinvenção de tradições de lutas, reelaboradas pela mediação.
Suas lideranças conduziram, junto aos bancos e às baionetas, formas específicas de mediação, criando as condições necessárias para a eclosão de táticas e estratégias marcadas por permanências, negociações e conflitos.
Nesse espaço de luta, o poeta Alonso Rocha e o jornalista Raimundo Jinkings expressaram os principais grupos hegemônicos no interior do movimento bancário paraense e contribuíram para o devir sindical bancário da resistência e da mediação.
Raimundo Alonso Pinheiro Rocha, ou Alonso Rocha foi um autêntico representante dos denominados grupos dos “Independentes”. Desde o V Congresso Nacional dos Bancários, em 1954, dedicou-se ao movimento sindical, atuando junto à direção do Sindicato dos Bancários do Pará, dirigindo a Federação dos Bancários e Securitários do Norte e Nordeste, representando-a na Confederação Nacional.
Fundou a Federação e participou da criação da CONTEC.
Foi em Belém um dos organizadores e fundadores do Centro Paraense de Desportos dos Bancários, em 1959, chegando a comandar delegações locais em eventos nacionais do desporto bancário. De 1954 a 1976, foi delegado do Pará em quase todos os Congressos Bancários e Convenções Nacionais de Bancários e Securitários, além de intensa participação na organização de encontros sindicais locais, durante o regime militar.
Em todos os eventos, Alonso Rocha foi ocupando posição de destaque, eleito em assembleias ou indicado pelas diretorias do sindicato bancário. Era dotado de profundo conhecimento do movimento sindical, aliando essa habilidade à postura moderada e pragmática, com talento à eloqüência, em destaque à verve poética.
Defendia a independência dos sindicatos em relação aos partidos políticos, em torno do discurso que procurava relacionar a combatividade corporativa com a tolerância ao espírito democrático em conviver com as diferenças.
Junto com outros bancários independentes foi responsável pela sustentação de uma postura ética com as lideranças comunistas da época, mesmo em momentos tão difíceis para a vida sindical local, sem abrir mão de suas convicções independentes, por isso mesmo respeitada entre seus opositores.
Alonso Rocha recebeu vários prêmios e consagrações como poeta.
Após sua aposentadoria do Bank of London, em 1980, dedicou-se exclusivamente à vida literária, abandonando a militância sindical. Foi membro perpétuo e presidente da Academia Paraense de Letras, recebendo o título de Príncipe dos Poetas entre seus pares, em 1987, título este que o acompanhou até o seu falecimento em 2011.
Raimundo Jinkings foi a maior expressão dos comunistas no movimento sindical bancário e no movimento sindical como um todo, no Pará.
Entrou no BASA em 1951, onde iniciou sua militância política e sindical. Sofreu perseguições políticas dos grupos conservadores locais, sendo obrigado a atuar no Maranhão por conta disso, entre 1955 e 1961.
Ao retornar ao Pará, participou de intensa atividade sindical, em torno das posições assumidas nacionalmente pelo PCB, principalmente a defesa da luta pela unidade das forças democráticas e do pacto sindical-camponês, atraindo para si a oposição das elites conservadoras e rurais da época.
Junto a Cléo Bernardo, Rui Barata e Eidorfe Moreira, Jinkings contribuiu para a fundação do Partido Socialista Brasileiro– PSB no Pará.
Participou do Comando Geral dos Trabalhadores – CGT em 1961, como representante do Sindicato dos Bancários do Pará.
Foi também militante político no movimento dos jornalistas e a partir de 1963, atuou com Benedito Monteiro na tentativa de organizar os sindicatos de trabalhadores rurais na luta pela Reforma Agrária, sofrendo por isso, intensa perseguição política e policial após 1964, junto com outros militantes do PCB.
Após a Abertura democrática, anistiado, manteve sua atuação entre os comunistas, desenvolvendo também intensa atividade de livreiro, até seu falecimento em 1995.
A descrição de traços de tão distintas biografias evidencia a importância que comunistas e independentes assumiam no devir sindical bancário. Indica também elementos para se compreender as razões que possibilitaram à hegemonia destes últimos no Sindicato dos Bancários do Pará até a consolidação do Estado discricionário no país.
No uso de suas diferentes estratégias construíram processos sociais diversos nas relações com o capital e o Estado, reveladoras de conflitos e tensões. No que pontuavam negociar, construíram relações negociadas, mas nas tensões com as bases, atuavam nas tênues fronteiras do conflito.
Entre o ativismo clandestino de base de Jinkings e as negociações acordadas de Alonso, construíram o livreiro e o poeta um enredo de representações nas quais se constituíram como atores sociais e sujeitos de sua própria história.
Em histórias entrecortadas e cruzadas por caminhos diversos, entre a institucionalidade e a recorrência a direitos, teceram os fios de sua condição militante e bancária sob lógicas próprias, mas por interesses comuns em suas experiências.
O tornar-se bancário os articulou e nesse construto mediaram identidades nas lembranças rememoradas das letras e nas ações partilhadas que as experiências e tradições amalgamaram em seu fazer-se.
Trouxeram ao mundo das letras, nos livros e na poesia, os riscos e as aventuras das incertezas entre bancos, espadas, letras e baionetas. Prosa e Poesia, que se encontram no espírito de uma época, já distante, diante de tanto obscurantismo contemporâneo.
Em tempo: as informações pormenorizadas, acerca do movimento sindical bancário paraense, estão à disposição em minha dissertação de Mestrado, defendida em 2006, no PPGCS do IFCH-UFPA. Para consulta pública, entrar no Google e digitar “Entre bancos e espadas…”.

*Cássio de Andrade é colunista convidado deste portal. O professor possui graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Pará (1990) e Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (2006). Foi Doutorando em Sociologia pelo PPGCS/CFCH/UFPA. Atualmente é professor do ensino médio – E1 da Escola de Ensino Fundamental e Médio Tenente Rego Barros. É também pesquisador associado da Universidade do Estado do Pará, professor ad-4 – Secretaria Executiva de Educação e professor ad-4 – Secretaria Municipal de Educação de Belém.