Por José Maria Piteira*
Todos os dias, em frente ao Mercado do Peixe, na orla fluvial de Santarém, vê-se pelo menos dois caminhões com placas de Mato Grosso, ou Goiás, ou Tocantins, despejando toneladas e mais toneladas de peixe produzidas naqueles estados. A piscicultura do Centro-Oeste já é, certamente, a maior fornecedora de tambaqui e espécies híbridas, como o tambacu e a tambatinga, para o mercado de Santarém. A mesma cena se vê em outras feiras da cidade. É uma realidade inimaginável, há 40 anos atrás, quando deixei a minha Terra Querida.
No último domingo (23/04), em visita a meus irmãos, vi um desses caminhões; na véspera, havia dois deles. A cena em si parece boba, até positiva, mas, quando se pensa nos detalhes, bate uma indignação de tamanho amazônico.
Já escrevi aqui nesta página sobre as contradições presentes no fato de Santarém e Itaituba terem se tornado corredores de exportação para milhões de toneladas de grãos, principalmente milho e soja, vindos do Centro-Oeste brasileiro, a caminho de mercados internacionais. Parte desses grãos é produzida em Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos.
Ora, os grãos vegetais são a matéria-prima para a produção de uma dezena de outros produtos, como óleos, margarinas, pastas e, principalmente, ração animal, como peixes, bovinos, galináceos, suínos e caprinos, entre outros. As cadeias produtivas criadas a partir daí têm o poder de dinamizar economias regionais e movimentar milhões de reais, assim como empregos, lucros a empreendedores e receitas a estados e municípios. Assim, não é difícil imaginar o maravilhoso impacto que a economia regional do oeste do Pará receberia se apenas uma parcela dessa produção de grãos ficasse na própria região para ser industrializada. Mas nada disso acontece, indo gerar empregos, salários, riquezas e receitas em outros países.
Há três anos, a China se tornou o maior produtor mundial de pescado, cuja indústria é alimentada justamente com ração produzida a partir de grãos importados do Brasil. Fico estupefato com dados do tipo. Por que os governantes chineses conseguem tamanho empreendimento e os nossos, não? Por que empresários do Centro-Oeste conseguem reter parte dos grãos lá produzidos para transformá-los em ração animal para a piscicultura regional? Por que os empreendedores paraenses não conseguem fazer o mesmo?
Pelo visto, os santarenos vão continuar comendo tambaquis produzidos no Mato Grosso – as espécies regionais estão cada dia mais raras, diferente do que se via há 40 anos atrás (naquele domingo, no mesmo mercado que vendia tambaquis vindos do Mato Grosso, havia bocozinhos [filhotes do tambaqui regional] expostos à venda, denunciando a ausência de fiscalização e controle dos órgãos públicos).
Se houvesse política pública para tal, o incremento na criação de bovinos, caprinos, suínos e peixe com o uso de ração animal, assim como para o processamento de alimentos e outros produtos derivados, geraria milhares de empregos, lucro aos empreendedores, receitas ao Estado e aos municípios e provocaria o surgimento de novos negócios.
Seria o melhor dos mundos, mas não há perspectivas para que isso aconteça nos próximos cem anos. Assim, o Pará seguirá exportando milho e soja “in natura” para o mundo e importando tambaquis produzidos no Mato Grosso e outros estados brasileiros.
Que merda!! (Perdão pelo tamanho da minha indignação).
*José Maria Piteira é jornalista formado pela UFPA, servidor público e ambientalista, nascido em Santarém-Pará.