Variáveis, sempre insólitas!
Desdobramentos incomuns e imprevisíveis.
O mundo pandêmico contemporâneo trouxe como legado os pandemônios urdidos, em todos os campos da vida.
A desordem incrustada na ordem das mortes e ressurreições aponta a espada para cabeças de profissionais da educação e seus demandados, a sentença de Dâmocles.
Seria o momento correto de retorno às aulas presenciais?
Os indicadores da vacinação e os dados relacionados aos óbitos e enfermidades, sugerem a volta de “Ulisses” à Ática dos saberes.
Nos escaninhos do inconsciente coletivo, entretanto, pairam os óbices. Variantes aqui e alhures, jovens contaminados em escolas particulares, povo sem medo nas ruas, são as variáveis que teimam a colocar mais dúvidas que certezas.
Os governos apressam os passos para o retorno às aulas presenciais, afinal, trabalhadores da educação já passaram do ponto em seus hábitos de “recoletos”.
Pais, mães, responsáveis, já chegaram ao limite da paciência com rebentos letárgicos.
Basta! Voltem às prisões escolares!
No Pará, duas posições se colocam, por parte do Estado. Na esfera estadual, a trôpega vontade do retorno, por razões nada pedagógicas, no caso, reduzir os custos das recargas da alimentação escolar.
O governador foi claro em afirmar tal assertiva, ainda em julho. Na esfera municipal, com certa prudência, o retorno está previsto para setembro, quando profissionais do ensino já devam alcançar a segunda dose.
Na última semana de agosto, já se planeja vacinar jovens entre 17 e 12 anos.
Na esfera federal, nada de novo, em que pesem pressões veladas por parte do Ministro da Educação, mais escatológico e menos educador.
Nesse caldo de incertezas, jovens plenamente atingidos pelos reflexos negativos da pandemia, no que possam ter perdido em se tratando de ensino e aprendizagem, andam como zumbis nas ruas e nas escolas, entre rodízios presenciais e aulas remotas, procurando talvez um porto seguro – seria um ponto de fuga?
Exames e ENEM às portas, as variantes lhes roubam a segurança para encarar os desafios de retenções e provas.
Seriam as aulas presenciais os pastores da noite a salvar o pasto?
Difícil, pois mesmo com bons pastores, os lobos sempre estão à espreita.
Se o bom pastor as ovelhas guarda, não há ofício que os obrigue sentinelas permanentes.
Os tempos não mais permitem os verdes prados e belas montanhas. A fantasmagoria dos ceifadores está sempre alerta, ainda que diluída em números.
No andar da carruagem trágica, a história epidemiológica em Belém, fornece subsídios
memoriais de experiências.
Estudos médicos e historiográficos locais indicam que a presença incômoda de moléstias na capital paraense, desde os tempos coloniais, costumam revelar aspectos de uma longa experiência com doenças e vacinas, e, conseqüentemente, as alternativas de curas implementadas na capital, em torno da construção de discursos hegemônico.
Nesse decorrer de experiências, o poder público apela, com toques fortes ou menos perceptíveis, aos discursos higienistas, com os devidos efeitos sobre, principalmente, às camadas populares.
No debate em questão, o retorno presencial às aulas, em especial nas escolas públicas, tende a repetir, enquanto farsa e tragédia, os antigos discursos do controle e da disciplina, agora sob a forma da higienização dos equipamentos escolares, aptos a receber os “anjos sobre Berlim” da metrópole amazônica.
Somente não se tem certeza que as “novas mentes insanas” poderão produzir “novos corpos rebeldes”. Variantes, variantes…
Seguindo, novamente os estudiosos sobre epidemias, pode-se induzir que a cultura da higiene, assentada no saber da ciência, mesmo gerando reações as mais variadas possíveis, contribui à reorganização do espaço caótico da pandemia nas escolas, e por ele, padrões civilizacionais.
Todavia, se os preceitos da ciência servem para as autoridades reivindicarem os padrões da ordem e da salvação, vidas e percebem em perigo na desordem das ruas, dos rostos sem máscaras, a reconstituir o drama “aterrador” do retorno ao equivocado “novo normal”, principalmente aos que sustentam a pirâmide social.
Quando entrar setembro, no espectro das variantes e das variáveis, poderemos atestar a validade da precipitação de um retorno presencial às coxas. Enquanto isso, cuidemos das invariáveis certezas dos lutos.
Quem sabe, quando a boa-nova entrar nos campos…
Cássio de Andrade é historiador e colaborador deste site.
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